Pacto de Regime para a Ciência e Inovação 2020-2030

Pacto de Regime para a Ciência e Inovação 2020-2030

O reforço do papel crítico da Ciência e Inovação na recuperação e desenvolvimento de Portugal no pós-COVID19

Esta é uma oportunidade rara para Portugal se revelar como um pais visionário, apostando na Ciência e Inovação, para captar e reter o melhor talento a nível mundial e captar e/ou criar empresas mais inovadoras e produtivas, num momento em que outros países por razões políticas e sociais serão menos apelativos. Temos a obrigação de aproveitar esta oportunidade. 

Este documento surge na continuação de vários manifestos do movimento Ciência Portugal, e do mais recente Manifesto pelo futuro da Ciência e Inovação em Portugal, feito por cientistas e empresários (https://cienciaportugal.org/manifesto-cientistas-e-empresarios-2020/). Concretizamos neste documento uma única medida, um PACTO de REGIME PARA A CIÊNCIA E INOVAÇÃO (PRECI 2020-2030), que ajudará a materializar essa visão para Portugal[1]. Uma versão mais reduzida deste documento foi submetida na consulta pública recente. 

“Nothing in life is to be feared, it is only to be understood. Now is the time to understand more, so that we may fear less.”

Maria Skłodowska-Curie

Proponentes

Adelino Vicente Mendonça Canário, UAlg; Ana Paula Duarte, UBI, Ana Teresa Freitas, HeartGenetics ; António Bica, Medinfar; António Camara, Ydreams;  António Costa Pinto, ULisboa/ ICS, António Jacinto, NOVA/CEDOC, Arlindo Oliveira, ULisboa/IST, Beatriz Fernández, IGC,  Carlos Moreira da Silva, Teak Capital;  Carlos Salema, ULisboa/IST/AcademiadasCiências, Carmo Fonseca, ULisboa/iMM, Cláudia Cavadas, UCoimbra, Cláudio Soares, NOVA/ITQB, Cláudio Sunkel, UP/I3S; David Braga Malta, CEO LiMM, Venture Partner Vesalius;  Élio Sucena/FCUL/IGC, Elvira Fortunato, NOVA; Fausto Lopo de Carvalho, ULisboa/iMM, Germano de Sousa, CML-Germano de Sousa; Hélder Maiato, UP/I3S; Helena Freitas, UCoimbra; Henrique Leitão, ULisboa/FCUL; Isabel Horta Correia, UCP, Isabel Narra Figueiredo, UCoimbra; Isabel Rocha, NOVA/ITQB, SilicoLife; Joana Gonçalves Sá, ULisboa/IST; João Carreira, Critical Software; João Carlos Sousa, UMinho/ICVS; João Gabriel Silva, UCoimbra, João Falcão e Cunha, UPorto/FEUP, João Ramalho-Santos, UCoimbra; João Rocha, UA, Jorge Vala, ULisboa/ICS, José Antão, ANI; José Carlos Caldeira, INESC TEC; José Luis Cardoso, ULisboa/ICS, José Leal, Ophiomics; José Roquette, Herdade do Esporão; Karin Wall, ULisboa/ICS; Luís O. Silva, ULisboa/IST; Luís Portela, Bial;  Madalena Alves, UMinho, Manuel Sobrinho Simões, UP/I3S; Manuela Ivone Cunha, UMinho; Mara Guadalupe Freire Martins, UA; Margarida D Amaral, ULISBOA/FCUL, Margarida Trindade, NOVA/ITQB; Maria Manuel Dias Mota, ULisboa/iMM, Marina Costa Lobo, ULisboa/ICS; Marta Agostinho, EU-LIFE; Marta Moita, CF; Mónica Bettencourt Dias, IGC;  Octávio Mateus, NOVA/FCT; Orfeu Bertolami, UP/FC; Paula Videira, Cellmabs/NOVA/FCT; Paula Alves, iBET, NOVA/ITQB; Paulo Azevedo, Efanor; Paulo Ferreira, INL/IST, Ricardo Migueis, INESC; Rogério Colaço, ULisboa/IST;  Sandra Maximiniano, UL/ISEG; Sebastião Feyo de Azevedo, UPT; Susana Peralta, NOVA/SBE

A resposta do nosso país à recente pandemia mostra como a Ciência e Inovação (C&I) podem ser os determinantes das melhores escolhas e estratégias para toda a sociedade. Na saúde ou na economia, a nível central ou local, assim como nas empresas, associações privadas ou do terceiro setor, os últimos avanços do conhecimento fazem toda a diferença nas decisões tomadas. Em tempo recorde, a ciência mobilizou-se e foram introduzidas enormes adaptações e alterações na produção de conhecimento, diagnósticos e equipamentos indispensáveis à luta contra a pandemia, na mobilização de recursos humanos altamente capacitados, ou ainda nos próprios modelos de negócio.  Nunca foi tão evidente para a sociedade a necessidade de colocar a investigação e a inovação, bem como as instituições que as promovem – Institutos, Ensino Superior e Empresas – no centro das nossas atividades. O papel do conhecimento e das decisões baseadas na ciência e na evidência revelam-se fundamentais no nosso quotidiano e devem servir de motor à recuperação económica de Portugal e da Europa. 

Mas para que Portugal se torne verdadeiramente competitivo num contexto mundial, para que a C&I nacional tenha real impacto na sociedade e na economia, é essencial enfrentar desafios estruturais[2],[3] e concretizar a promessa de um investimento substancial, regular e previsível em C&I. Estes desafios estão já amplamente diagnosticados[4],[5] e contam com o consenso de toda a comunidade[6].

São agora necessárias medidas estruturantes que traduzam um compromisso sério e de médio-longo prazo (a mais de 10 anos) com o desenvolvimento de Portugal e da Europaatravés de estabilidade e financiamento regular, independentemente dos ciclos políticos, como já referido pela OCDE5 sobre a C&I em Portugal. Medidas que potenciem e consolidem o nosso crescimento recente nesta área[7], que nos permitam progredir de forma ambiciosa, criando e fortalecendo um ecossistema que ativamente atraia o melhor talento e as empresas[8] de forma comprometida e transformadora, para sermos nós a conceber os produtos de valor acrescentado. Estas medidas permitirão a Portugal ter uma política de C&I que abra caminho a uma sociedade mais justa, segura, resiliente, sustentável e digital, alinhada com o “European Green Deal” e com os demais países da UE[9]Sem estas reformas, e apesar de uma comunidade cada vez mais forte e reconhecida, o ambiente de grande incerteza, desgaste e frustração, continuará a limitar de forma irreversível a competitividade e o crescimento inteligente do país.

UM PACTO DE REGIME PARA A CIÊNCIA E INOVAÇÃO (PRECI 2020-2030)

Propomos assim, num cenário expectável de crise mundial, um Pacto de Regime para a Ciência e Inovação (PRECI 2020-2030), garantindo a estabilidade que precisamos e revelando ambição para dentro e para fora do país, em contra-ciclo, num cenário expectável de crise mundial, à semelhança do que está a ser feito noutros países com políticas de C&I avançadas e economias concomitantemente fortes, como a Alemanha. É uma oportunidade rara para Portugal se revelar como um pais visionário, apostando na C&I, para captar e reter o melhor talento a nível mundial e captar e/ou criar empresas mais inovadoras e produtivas, num momento em que outros países por razões políticas e sociais serão menos apelativos (e.g. EUA, RU). Temos a obrigação de aproveitar esta oportunidade!

É necessária uma nova ética, baseada na confiança na C&I e seus profissionais, que valorize e respeite as pessoas, instituições e empresas estabelecendo Portugal como um país cosmopolita, eficiente, íntegro e transparente. Sistemas complicados, lentos e altamente burocráticos promovem a desconfiança, frustração, desresponsabilização e nepotismo. É fundamental que pessoas, instituições e empresas possam fazer planos de médio e longo prazo e que confiem no sistema. 

A proposta que submetemos na consulta sobre a “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030” e que expandimos aqui, consiste em cinco pontos essenciais que não são, em si, totalmente novos: todos estão de uma forma ou de outra patentes em programas de governos anteriores e também no atual. Tal demonstra a existência de um grande consenso em relação aos pilares básicos necessários para alavancar a capacidade de Portugal no que diz respeito à economia do conhecimento. O que falta então? Passar das palavras aos atos de forma coerente e com impacto real. Há que assegurar que Portugal estabeleça um processo ininterrupto de consolidação da sua investigação e inovação para que esta contribua de forma inequívoca para o desenvolvimento económico do país, incluindo o bem-estar da população e a construção de uma sociedade sustentável. É este o propósito da proposta de estabelecimento do PRECI2020-2030, um pacto alargado que espelhe um compromisso público por parte de diferentes sectores – governo central e regional, partidos políticos, indústria, sector académico e de investigação, sector financeiro, sociedade civil, com objetivos claros a 10 anos, monitorizados independentemente e que se transforme num motivo de orgulho nacional.

Propomos assim:

  1. Financiamento em C&I plurianual, previsível, transparente e desburocratizado;
  2. Financiamento em C&I superior a 3% do PIB;
  3. Reforço da participação das empresas no sistema de C&I;
  4. Capacitação e construção de Instituições de C&I autónomas e ambiciosas;
  5. Uma estratégia nacional articulada com a estratégia europeia.

1) FINANCIAMENTO PLURIANUAL, PREVISÍVEL, TRANSPARENTE E DESBUROCRATIZADO 

O financiamento público da C&I é feito através do apoio à investigação e inovação, tanto a institutos e instituições de ensino superior como a empresas. Enquanto noutros países várias Instituições financiam a C&I, em Portugal a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) tem um papel central no financiamento de pessoas, projetos, instituições e infraestruturas científicas e tecnológicas. Este financiamento é essencial para todo o processo da cadeia de valor: desde a investigação fundamental de qualidade, que cria conhecimento e ferramentas para fazer face aos desafios e necessidades globais e futuras, à investigação mais aplicada, que deve responder e resolver problemas mais específicos da sociedade. O papel do Estado enquanto catalisador dos investimentos em C&I empresarial, é também reconhecido como crítico nos países desenvolvidos, na Europa e nos EUA[10], quer através de financiamento direto a projetos de Inovação selecionados em diferentes fases, quer através de benefícios fiscais às empresas que realizam esses investimentos. Nesta ligação às empresas, a Agência de Inovação (ANI), bem como o IAPMEI e a AICEP, quando em co-promoção com as empresas/instituições C&I, assumem também um papel central.

É por isso essencial garantir o seu desempenho num nível excecional pelo que este documento se foca particularmente no seu funcionamento. Para isto, é fundamental garantir um planeamento do investimento de forma coordenada e sinérgica, cobrindo todo o ciclo de investigação e inovação, bem como a autonomia das próprias agências financiadoras enquanto garante de estabilidade através de ciclos políticos, como referido no relatório recente da OCDE[11]. Para este efeito, uma possibilidade a considerar será a criação de uma Direção Geral de Investigação e Inovação. 

  1. Plurianualidade, previsibilidade e eficiência nos processos de avaliação e resposta

É necessário dotar tanto a FCT como a ANI e também o IAPMEI e a AICEP dos meios necessários ao cumprimento das suas missões e responsabilidades. O financiamento tem de ser garantido a médio prazo, com calendários plurianuais e previsíveis, bem definidos a 5 anos e públicos. Em qualquer das agências acima mencionadas, é fundamental que as avaliações sejam feitas num prazo rápido e no rigoroso cumprimento do que for previamente estipulado[12]. Será também importante que estas agências avaliem e reforcem as atividades de internacionalização da nossa C&I, para reforçar a participação dos vários atores da C&I nacionais na génese dos grandes consórcios internacionais, para desenvolver atempadamente a capacidade de influenciar e participar desde as fases iniciais no estabelecimento dos consórcios vencedores e que canalizam grandes investimentos e atraem talento para o país, e para promover no estrangeiro a imagem da C&I que se faz em Portugal.

É necessário garantir: 

1) Uma política estável de avaliação e financiamento robusto das atividades, pessoas e infraestruturas das instituições científicas e de inovação nacionais, que permita fazer planeamento a longo prazo e recrutamento de recursos humanos necessários as Instituições, incluindo investigadores, mas também outras profissões, que apoiam, facilitam e potenciam a C&I[13]

2) Pelo menos um concurso de projetos por ano em todas as áreas científicas, tal como acontece na maioria dos países da UE – e também concursos regulares e previsíveis de projetos colaborativos, mobilizadores e demonstradores[14]

3) A existência de um plano estratégico nacional para a C&I, com uma componente global e outras sectoriais, em que se definem de forma transparente as opções a ser tomadas, assente na capacidade existente e articulado com as prioridades Europeias[15].

As medidas aqui sugeridas são absolutamente essenciais, o “mínimo dos mínimos”. Muitas outras podem – e devem – ser equacionadas para alavancar o sistema e recrutar e apoiar o melhor talento à semelhança de outros países. Estamos disponíveis para as discutir. 

  1. Um simplex para a ciência e inovação

A FCT, a ANI, a AICEP e o IAPMEI devem assumir-se como instituições exemplares, acompanhando os passos de agências internacionais congéneres, em termos de simplificação e promoção da transparência, e quando possível e adequado, utilizando procedimentos comuns entre elas. Os critérios, formulários, plataformas de submissão e avaliação dos projetos e candidaturas devem ser desburocratizados, transparentes[16], estáveis, fáceis de usar[17], incluindo sempre o inglês como possibilidade, de forma a não eliminar nem alienar cientistas e avaliadores internacionais, que são essenciais para a excelência e transparência de todos os processos inerentes ao sistema de C&I. Todo o financiamento concedido ao sistema científico e de inovação deve ser público, transparente e sujeito a escrutínio. É também importante reforçar mecanismos facilitadores da atração do melhor talento, quer através de vistos de residência e/ou programas fiscais dedicados, quer através da desburocratização dos processos, incluindo um regime especial de contratação pública para C&I, quer através de programas específicos que incluam outros benefícios (e.g. dinheiro para investigação). Uma outra componente importante da simplificação necessária nas próprias agências financiadoras seria a não sujeição às regras da contratação pública aos processos de contratação de peritos nacionais e internacionais.

2) FINANCIAMENTO PARA A CIÊNCIA E INOVAÇÃO SUPERIOR A 3% DO PIB

Para que um sistema de Investigação e Desenvolvimento (I&D) seja competitivo, o nível de financiamento não poderá ser inferior a 3% do PIB. Os Estados-Membros da UE acordaram atingir este valor durante o Conselho de Barcelona de 2002, e a Estratégia de Lisboa definiu como prazo o ano de 2010. No entanto, esta margem mínima nunca foi cumprida em Portugal: em 2019 o investimento em I&D não chegou sequer a metade deste valor, existindo agora uma nova promessa de alcançar os 3% da despesa do PIB em I&D em 2030, o que ainda assim implicará «duplicar a despesa pública e multiplicar por três e meio a despesa privada»[18]. É importante notar que países que têm como objetivo assumir a liderança nos sectores do conhecimento, como a Coreia do Sul ou Israel, investem já mais de 4.5% do seu PIB em C&I. Portugal e a UE não podem esperar mais 10 anos por um compromisso que já leva uma década de atraso. Para isto é preciso deixar de pensar no financiamento da ciência como sendo um gasto e assumi-lo com um investimento no futuro. Na verdade, segundo as estimativas de um estudo europeu, um aumento no investimento em investigação e inovação correspondente a 0,2% do PIB significa um incremento de 1,1% do PIB nacional e que cada euro investido em programas europeus traz de volta 13-14 euros[19].

Assim, estes 3% do PIB são o mínimo necessário à criação de alicerces fortes em investigação e inovação, aos quais se poderão acrescentar os fundos estruturais de apoio ao desenvolvimento regional, em áreas fundamentais como a descarbonização, a energia “verde”, a digitalização, as novas tecnologias da saúde, e a redução das desigualdades sociais e territoriais. Ao contrário do que vivemos atualmente, o financiamento estrutural do sistema não pode ser secundarizado em relação a estratégias e programas pontuais, nem pode continuar refém de ciclos (nacionais ou europeus) e de preferências políticas. É por isso essencial, mais ainda num contexto de crise económica e social, estabelecer um plano para alcançar pelo menos 3% a 3-5 anos. Propomos que, como referido, se comece por aumentar a fasquia do orçamento de Estado (podendo recorrer a outros financiamentos públicos disponíveis, nomeadamente da EU) investido em C&I em 2019[20] para aproximadamente 3000 M€ já em 2021, 3500M€ em 2022, e 4000M€ em 2023. Este investimento que parece em contra-ciclo, é a única forma de sair a ganhar desta crise: servirá não só para assegurar a investigação científica e a sua valorização económica, numa altura em que esta é crucial, através de um reforço forte da FCT e ANI, como para facilitar a comparticipação das empresas, que tende a abrandar durante situações de crise como a que se aproxima. Assim, será também necessário reforçar os apoios e criar um ambiente propício ao investimento e atração de novas empresas, que está fortemente dependente da qualidade dos processos e da confiança no sistema, o que discutimos na próxima secção. O conjunto destas medidas permitir-nos-á chegar e ultrapassar a ambicionada barreira dos 3% do PIB. É muito importante que este processo seja acompanhado pela modernização das estruturas das agências e processos de financiamento, a seguir a uma avaliação, algo que é natural no ciclo de vida destas instituições[21], à semelhança das suas congéneres Europeias. Os instrumentos de financiamento para além dos básicos aqui apresentados, assim como as taxas de aprovação desejadas que definirão as dotações de cada concurso, devem ser motivo de avaliação e reflexão para permitir a previsibilidade, competitividade e justiça no sistema[22]

Uma forma complementar de devolver fundos às instituições de C&I será a restituição do IVA para aquisições relacionadas com atividade científica à semelhança do que ocorre noutros países da Europa. Este mecanismo foi proposto pelo manifesto Ciência Portugal e a sua operacionalização tem estado a ser discutida com o governo, sendo necessário garantir que é aplicável a todas as instituições de C&I e com orçamentação relevante para o ecossistema português.

3) REFORÇO DA PARTICIPAÇÃO DAS EMPRESAS NO SISTEMA DE C&I

O papel das empresas na inovação é fundamental, através da implementação de programas próprios ou em colaboração com Universidades e Institutos de Investigação. Existem já muitos instrumentos de apoio às empresas, quer direto (como apoio a projetos) quer indireto (como através de créditos de impostos). Estes instrumentos são semelhantes aos encontrados noutros países e são fundamentais à participação das empresas no sistema de C&I. No entanto, estão longe de garantir a qualidade e sustentabilidade do sistema, em grande parte por falta de acompanhamento, transparência e exigência. Assim, o estado deve definir e implementar mecanismos que identifiquem e estimulem as empresas mais empenhadas, capazes e inovadoras e que promovam a confiança e relações de longa duração entre os diferentes sectores, respondendo às necessidades e desafios da sociedade com novos produtos e serviços altamente competitivos.

Estes mecanismos devem incluir três tipos de ações: 

1) Estímulos à ligação entre empresas e instituições de investigação através de: a) criação e/ou reforço financeiro e avaliação do impacto das estruturas e atividades apropriadas, como os gabinetes de ligação à industria e proteção da propriedade intelectual nas instituições de C&I , facilitando o seu trabalho em rede; b) avaliação e reforço/criação de programas colaborativos[23] e clusters de inovação, potenciando contatos e sinergias; e c) reforço de “calls” de projetos vocacionados para empresas em que na sua execução se exija participação / subcontratação de unidades do sistema cientifico e tecnológico nacional;

 2) Reforço e adaptação de incentivos fiscais para empresas que contratem entidades do sistema de C&I e/ou doutorados[24],  e para PMEs e spin-offs académicas que tendem a não ser abrangidas pelo SIFIDE II[25]. Promoção dos benefícios e incentivos fiscais ao mecenato científico[26] pela empresa privada. O beneficio fiscal deveria ser revisto para um valor de majoração superior e a divulgação destes benefícios deveria ser aumentada junto das estruturas representativas nacionais (Ordens profissionais, Confederação da Indústria Portuguesa – CIP, etc…).

3) Promoção de fundos de investimento estratégicos que alavanquem projetos de inovação, complementem outras fontes de financiamento, e que cumpram as regras do Fundo Europeu de Investimentos para a qualificação dos fundos e das respetivas sociedades gestoras, garantindo a boa utilização do capital[27].

Para que que estes mecanismos sejam eficientes, é importante garantir que o apoio público às empresas seja acompanhado por avaliação por painéis internacionais sempre que possível e sem comprometer a celeridade da avaliação, e que o resultado destas avaliações seja público e transparente. Para além disso é fundamental um efetivo acompanhamento por parte das agências públicas, que deverão estar mandatadas para seguir todo o ciclo de planeamento e implementação desses investimentos, permitindo maximizar sinergias entre instrumentos públicos e investimentos privados. Isto só é possível se as agências forem dotadas não só de recursos humanos altamente qualificados, mas também de autonomia. 

4) CAPACITAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE INSTITUIÇÕES DE C&I AUTÓNOMAS E AMBICIOSAS

A C&I é feita por múltiplas Instituições em Portugal que ainda são pouco conhecidas fora do país, com um impacto quase exclusivamente nacional. Nos próximos dez anos temos de ter a ambição de construir em Portugal instituições científicas de referência a nível europeu. Este processo tem-se mostrado difícil por várias razões. Primeiro, está a falta de estabilidade e de financiamento já descritas anteriormente. A isto junta-se a falta de autonomia das instituições, que as impede de desenhar estratégias de longo-prazo. Finalmente, um contexto muito rígido (a nível legislativo, institucional, de financiamento) manieta qualquer vontade de mudança e impede uma ambição internacional. Isto é particularmente grave nas instituições de ensino superior (IES) públicas, presas a sistemas administrativos lentos e a legislação ultrapassada (da administração pública, quer para contratação quer para aquisições). Este quadro bloqueia a atração de talentos, atrasa a investigação e limita o potencial do tecido científico. É fundamental que: i) se mude o quadro legislativo para a C&I, facilitando a contratação, a aquisição e todos os processos de investigação, que têm de ser rápidos e atrativos internacionalmente. Isto poderá incluir a adaptação de um sistema de exceção à contratação pública para C&I[28]; ii) se reforce o financiamento plurianual às instituições, aumentando também a sua longevidade, permitindo assim uma estratégia de longo prazo, em termos de contratações, áreas de investigação prioritária e atração de financiamento internacional; iii) sistema de avaliação multimétrica que permita ajudar a desenvolver as instituições.

Naturalmente, o reforço da autonomia das instituições deve ser acompanhado por escrutínio transparente e avaliação consequente. A par desta reflexão é também muito importante definir-se uma estratégia de longo prazo para as carreiras em C&I que permita atrair e reter o melhor talento para todo o ecossistema, das universidades às empresas.

O investimento plurianual em infraestruturas de investigação de interesse estratégico assume um papel muito relevante na capacitação e construção de instituições de C&I ambiciosas e deve ser continuado, de forma previsível, estável e alinhado com o roteiro Europeu de infraestruturas de investigação (ESFRI) e infraestruturas digitais. 

Finalmente é importante refletir sobre a complexificação do sistema que resulta da multiplicidade de concursos para a criação de instituições (eg. Colabs, unidades de investigação, Laboratórios associados) que estão a criar uma miríade de interrelações entre instituições que tornam cada vez mais complexo o nosso sistema científico, com burocracia acrescida no reporte. 

As medidas apresentadas neste documento devem ser ponderadas em articulação com a estratégia europeia, sendo que ela própria justifica uma discussão ainda mais detalhada do que aquela aqui apresentada.

5) UMA ESTRATÉGIA NACIONAL ARTICULADA COM A ESTRATÉGIA EUROPEIA 

A UE deu um grande passo em 2018 ao adotar uma Regulação Geral de Proteção de Dados que protege os seus cidadãos e cria um ecossistema único para um desenvolvimento tecnológico ético, valorizando os direitos humanos. Segue-se agora um “Green Deal”, para uma recuperação económica que salvaguarda os valores ambientais e promove o bem-estar e a qualidade de vida das gerações futuras. Aguardamos também que o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu decidam no mês de Setembro a favor de um investimento forte no apoio à C&I através do Horizonte Europa, reforçando programas com provas dadas. É necessário aproveitar estas visões e torná-las em verdadeiras vantagens competitivas, estimulando a economia de Portugal e da UE através da ciência e inovação, tecnologia verde, digitalização dos processos, e valores europeus através do apoio a uma política e programas europeus fortes e com recursos adequados. Neste contexto, a efetiva simplificação e facilitação de sinergias entre fundos europeus (geridos centralmente pela Comissão Europeia e aqueles geridos nacional e regionalmente, como os fundos estruturais) e entre estes e o financiamento privado e do Orçamento do Estado, assumem particular relevância. O amplo e ativo envolvimento da comunidade científica e empresarial no desenho e definição dessa estratégia, tanto a nível nacional como em cada uma das regiões (NUT II), será determinante e necessita de ser feito desde o início. 

METAS E MONITORIZAÇÃO DO PRECI2020-2030

Um pacto de regime deve ser o estabelecimento de um compromisso público por parte dos vários sectores envolvidos. No desenho final deste pacto é essencial estarem envolvidos todos os stakeholders para definir concretamente um roteiro de metas a atingir por parte dos atores do sistema de C&I. Propomos que se estabeleçam objetivos claros a 10 anos, identificando as 3-5 ações essenciais que cada sector relevante se compromete a atingir a 3-5 anos (2023-2025) e a 10 anos (2030). Por outro lado, é também crítico que o governo e partidos da oposição estabeleçam um roteiro de financiamentos e medidas a implementar muito bem definidos. Estes roteiros, financiamento e metas a atingir deverão ser monitorizados por uma organização independente, que poderá por exemplo estar também a monitorizar a execução dos fundos de coesão. 

NOTAS FINAIS

Apesar da excelente massa crítica que temos, Portugal está longe de se poder orgulhar de ser um país que tenha a C&I como pilares do seu desenvolvimento. Em grande parte, as razões para este atraso são conhecidas e estão amplamente diagnosticadas. Nos últimos anos têm sido implementadas várias medidas e instrumentos que, sendo úteis, não resolvem os problemas estruturais que minam o nosso sistema científico: falta de estabilidade e previsibilidade, falta de financiamento e transparência, falta de estratégia e visão de longo prazo, falta de autonomia das instituições. O sistema de C&I não se cansa de apontar soluções, como as que aqui resumimos. É precisa uma nova visão e uma liderança transparente e respeitadora. É possível fazê-lo agora. 


[1] Algumas das ideias centrais deste documento apresentam-se também resumidas numa outra proposta: Portugal2030-Uma Sociedade Ética, também submetida durante a consulta pública.

[2] O financiamento para projetos de investigação e inovação de múltiplas áreas da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), não é aberto regularmente: a partir de 2005 não existiram concursos em 2007, 2011, 2013, 2015, 2016, 2018, 2019. Mais ainda, este financiamento é limitado (montante e número de projetos por investigador) e frequentemente dependente de fundos estruturais, estando sujeito a procedimentos administrativos desadequados à prática científica, quer em complexidade e morosidade.

[3] A política de financiamento de diversos instrumentos essenciais à C&I, seja financiamento a novos grupos de investigação, bolsas, ou a unidades de investigação, tem mudado em cada ciclo político, não dando estabilidade às instituições e a confiança necessária a quem quer vir para Portugal.

[4] Relatório Avaliação FCT 2014: https://www.fct.pt/docs/Evaluation_of_FCT_Report_EP.pdf

[5] Relatório da OCDE 2019: https://www.oecd-ilibrary.org/sites/3776e9c5 en/

[6] https://www.publico.pt/2018/06/11/ciencia/opiniao/manifesto-perguntas-por-responder-1833954

[7] A distinção de Portugal como país “Fortemente Inovador (Strong Innovator)” no relatório European Innovation Scoreboard 2020 publicado pela Comissão Europeia mostra que estamos no caminho certo.

[8] São conhecidos exemplos de cientistas que sendo atraídos pela massa crítica existente em Portugal, decidiram não vir ou ficar cá por causa da irregularidade do financiamento. CEOs da grande Pharma internacional referiram publicamente em Portugal que a estabilidade do sistema científico nacional é um dos fatores decisivos na atração para um novo ecossistema.

[9] https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/srip/2020/ec_rtd_srip-2020-report.pdf

[10] https://www.diw.de/documents/publikationen/73/diw_01.c.527982.de/diw_econ_bull_2016-08-3.pdf

[11] https://www.oecd-ilibrary.org/sites/3776e9c5-en/index.html?itemId=/content/component/3776e9c5-en

[12]  É frequente a comunicação dos resultados para estes tipos de projetos exceder 1 ano após o encerramento da submissão.

[13] Dependendo da política, autonomia e financiamento dados às Instituições de C&I terão de ser articulados também concursos    nacionais de contratação científica para investigadores a todos os níveis da carreira, que permitam mobilidade e que sejam coordenados com calendários dasinstituições e do recrutamento internacional;

[14] A duração, o volume de financiamento e as regras de subcontratação por tipologia de projeto, devem possibilitar a translação para novos produtos. Por exemplo, se analisarmos estudos longitudinais de mudança de comportamento após intervenções psicológicas ou pedagógicas ou o desenvolvimento de um fármaco ou dispositivo médico, muitos processos obrigatórios são feitos em subcontratação e demoram no mínimo 3 a 5 anos. Os projetos do PT 2020 estão limitados a 2 anos e limitam a % de subcontratação; os projetos do Horizonte 2020 não têm estas limitações. Deste modo devem ser alteradas estas regras permitindo a utilização dos fundos estruturais para áreas com diferentes especificidades.

[15] As Estratégias de Especialização Inteligente regionais e nacional são uma boa ferramenta para articular com as prioridades Europeias.

[16] É de evitar ao máximo o financiamento público em C&I através de concursos com processos e regras pouco claros, recorrendo a formulários muito complicados, sem concurso, ou com processos de recurso muito longos (e.g. CEEC individual, concurso de projetos em C&I, aprovação de algumas infraestruturas e outras iniciativas por decreto).

[17] O nível de exigência burocrática, quer através de provas de equivalências, do uso do português ou de prazos impraticáveis, elimina candidatos internacionais ou com formação fora do país. Estes processos impedem de facto o recrutamento dos melhores cientistas internacionais e dão uma imagem questionável do país.

[18]https://expresso.pt/politica/2019-09-11-Antonio-Costa-promete-investimento-de-2-do-PIB-na-cultura-e-de-3- na- ciencia-ate-2030 

[19] https://op.europa.eu/en/publication-detail/-/publication/0635b07f-07bb-11e7-8a35-01aa75ed71a1/language-en

[20] Em 2019, foram investidos 1.209 milhões de euros pelo Estado e pelas empresas 1.569 milhões de euros (0,74% do PIB), totalizando 1.4% PIB- https://www.publico.pt/2020/08/12/ciencia/noticia/despesa-portugal-ciencia-volta-aumentar-2019-1927789

[21]Relatório Avaliação FCT 2014: https://www.fct.pt/docs/Evaluation_of_FCT_Report_EP.pdf Relatório da OCDE 2019: https://www.oecd.org/portugal/oecd-review-of-higher-education-research-and-innovation-portugal-9789264308138-en.htm

[22] Em anos recentes as taxas de aprovação têm oscilado entre os 10% e os 50%.

[23] Existem neste momento mecanismos como os laboratórios colaborativos e centros de interface.

[24] No sistema francês há uma duplicação da taxa de crédito fiscal para estes projetos.

[25] Os mecanismos atuais excluem empresas, ainda sem lucro, que é frequentemente o caso de PMEs jovens de base científica e tecnológica. Assim sugerimos uma revisão do SIFIDE II para PMEs seguindo o modelo do CIR Francês.

[26] Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho- Diário da República n.º 497, Série I, de 01.07.1989

[27] Fundos com volume mínimo de EUR 30M, focados num sector de atividade e geridos por equipas especializadas no sector de atividade e dedicadas à gestão do fundo

[28] em inglês, rápido, candidaturas internacionais, entrevista prévia, desburocratizado e com a criação de vistos preferenciais para investigadores/professores