CRECI – COMPROMISSO DE REGIME PARA A CIÊNCIA E A INOVAÇÃO 2024-2034
A investigação científica e a inovação são determinantes na capacidade de criar valor e de sustentar as alterações estruturais que contribuem para que o país se modernize e seja mais informado, produtivo e competitivo – condições fundamentais para aumentar o rendimento dos residentes em Portugal. Numa sociedade cada vez mais qualificada, só o apoio à Ciência e Inovação (C&I) pode garantir um sistema de ensino moderno e atualizado e melhores empregos e salários, à semelhança das economias mais desenvolvidas.
Reconhecendo esta importância, os países mais desenvolvidos têm políticas plurianuais e suprapartidárias, capazes de atrair recursos humanos altamente diferenciados, o que se traduz em grandes vantagens económicas e sociais e os posiciona como líderes na criação de uma economia verde, digitalizada e altamente produtiva.
Para que a Ciência nacional possa cumprir o seu potencial, é essencial enfrentar desafios estruturais, já amplamente diagnosticados,,que reúnem o consenso de toda a comunidade científica e que não são mais do que medidas racionais, reconhecidas nas políticas europeias, que outros países aplicam há décadas.
As reformas e melhorias que propomos no Compromisso de Regime para a Ciência e Inovação 2024-2034 (CRECI 2024-2034) são determinantes para evitar o desgaste e a frustração da comunidade científica, para atrair e reter talento e para a sua mobilização e reforço da sua relação com a sociedade, aumentando a competitividade e o desenvolvimento do país, abrindo caminho a uma sociedade mais justa, segura, resiliente, sustentável e digital, articulada alinhada com o “European Green Deal” e com os demais países da União Europeia (UE).
Propomos:
1) Financiamento para a ciência e inovação igual ou superior a 3% do PIB, em linha com o tratado de Lisboa e com as promessas de sucessivos governos, ultrapassando os 2% do PIB em 2025, os 2,5%, em 2027, e chegando aos 3% antes do fim de 2030. A este investimento poderão acrescentar-se os fundos estruturais de apoio à redução das assimetrias sociais e territoriais e ao desenvolvimento de aplicações, em áreas chave, mas o financiamento estrutural do sistema científico não pode ser secundarizado em relação a estratégias e programas pontuais, nem pode continuar refém de ciclos (nacionais ou europeus) e de preferências políticas.
2) Financiamento plurianual, previsível, transparente e desburocratizado. Para tal, é necessário reformular o modelo de gestão da FCT, dotando-a de mais autonomia, flexibilidade e estabilidade, através dum reforço dos recursos e financiamento a pelo menos 5 anos. É fundamental garantir 1) uma política estável de avaliação e financiamento robusto das atividades, pessoas e infraestruturas das instituições científicas e de inovação nacionais, 2) pelo menos um concurso anual de projetos de investigação, agendado para o mesmo período do ano e em todas as áreas científicas, com ênfase na ciência fundamental e com dotações reforçadas, como acontece na maioria dos países da UE, e 3) um plano estratégico nacional para a C&I, com uma componente global e outras sectoriais, em que se definem de forma transparente os critérios de seleção e as prioridades escolhidas, assente na capacidade existente e articulado com as prioridades europeias. É também urgente que as diferentes instituições financiadoras do sistema de C&I se assumam como modelo, seguindo as melhores práticas de agências internacionais congéneres, em termos de 4) simplificação e promoção da transparência. Os critérios, formulários, plataformas de submissão e avaliação dos projetos e candidaturas devem ser desburocratizados, transparentes, estáveis, fáceis de usar e aceitar propostas em inglês. Todo o financiamento concedido ao sistema de C&I deve ser público, transparente e escrutinável, quer o financiamento direto (por exemplo, bolsas), quer indireto (por exemplo, benefícios fiscais). Isto poderá implicar a revisão de procedimentos de contratação pública e aplicar mecanismos facilitadores da atração do melhor talento.
3) Participação integrada das empresas no sistema de C&I. Os instrumentos existentes de apoio à participação das empresas são semelhantes aos de outros países, mas não garantem qualidade e sustentabilidade, por falta de acompanhamento, previsibilidade, transparência e exigência. Assim, o Estado deve definir mecanismos que identifiquem e estimulem as empresas mais empenhadas, capazes e inovadoras e que promovam a confiança e relações de longa duração entre os diferentes sectores, incluindo: 1) melhoria e adaptação dos estímulos à ligação entre empresas e instituições de investigação, por exemplo através de criação e/ou reforço financeiro e avaliação do impacto das estruturas apropriadas, como os gabinetes de ligação à indústria e sociedade e proteção da propriedade intelectual nas instituições de C&I, facilitando o seu trabalho em rede; 2) Adaptação de incentivos fiscais para empresas que contratem entidades do sistema de C&I e/ou doutorados, pequenas e médias empresas (PME) e spin-offs académicas ou startups de base tecnológica, que tendem a não ser abrangidas pelo SIFIDE II; 3) Promoção de fundos de investimento estratégicos. Para que estes mecanismos sejam efetivos, é importante que o apoio público às empresas seja avaliado por painéis internacionais, com resultados públicos e transparentes. É, ainda, fundamental um efetivo acompanhamento por parte das agências públicas, mandatadas para seguir o ciclo de planeamento e implementação desses investimentos. Isto só é possível se as agências forem dotadas de recursos humanos altamente qualificados e de autonomia (ver ponto 1).
4) Capacitação e construção de instituições de C&I autónomas e ambiciosas
A C&I é feita por múltiplas instituições em Portugal ainda pouco conhecidas fora do país. Nos próximos dez anos temos de ter a ambição de construir instituições científicas de referência a nível europeu. Isto implica: 1) Garantir o financiamento plurianual às instituições, permitindo uma estratégia de longo prazo, crucial para combater de forma efetiva a precariedade no sistema científico português; 2) o investimento em infraestruturas de investigação de interesse estratégico, que inclui não só equipamentos, mas toda a capacidade de captação de recursos; 3) Identificar áreas de forte potencial de crescimento, em que o país tem capacidade científica e empresarial, e apoiar projetos com dimensão internacional, garantindo financiamento de médio e longo prazo; 4) Reduzir a crescente complexificação do sistema que resulta da multiplicidade de concursos para a criação de instituições (por exemplo Laboratórios Colaborativos, ou Colab, unidades de investigação, Laboratórios Associados) que geram uma miríade pouco útil e fortemente burocrática de inter-relações entre instituições.
5) Uma estratégia nacional articulada com a estratégia europeia, com forte envolvimento da comunidade científica e empresaria no seu desenho. Esta irá potenciar instrumentos, regulações e objetivos já existentes (RGPD, Espaço Europeu dos Dados em Saúde, “Green Deal”, etc.) e tornando-os em verdadeiras vantagens competitivas, estimulando a economia de Portugal e da UE através da C&I, na tecnologia verde, na digitalização dos processos e na promoção dos valores europeus através de uma política com recursos adequados.
Metas e monitorização do CRECI 2014-2034
Um acordo de regime estabelece um compromisso público por parte dos vários sectores envolvidos, cujo desenho final deve envolver todos os stakeholders para definir concretamente um roteiro de metas a atingir pelos atores do sistema de C&I. Propomos que se estabeleçam objetivos claros a dez anos, identificando as 3-5 ações essenciais que cada sector se compromete a atingir a 3-5 anos e a dez anos.
Por outro lado, é também crítico que o futuro governo e partidos da oposição estabeleçam um roteiro bem definido de financiamentos e medidas a implementar. Estes roteiros, financiamento e metas a atingir deverão ser monitorizados por uma organização independente, que poderá, por exemplo, monitorizar igualmente a execução dos fundos de coesão.
O investimento em C&I, em particular na investigação básica, tem gerado ideias novas e disruptivas e tem um impacto importante em todas as áreas da sociedade. Este investimento pode ter um efeito verdadeiramente multiplicador caso exista estabilidade e previsibilidade, financiamento e transparência, estratégia e visão de longo prazo e autonomia das instituições. É preciso uma nova visão ambiciosa de longo prazo, que ultrapasse esses desafios. É possível fazê-lo agora.
Luís Aguiar Conraria,Universidade do Minho, presidente da Escola de Economia e Gestão
Margarida Amaral, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, professora
Paulo Azevedo, Sonae, chairman
Orfeu Bertolami, Faculdade de Ciências, Universidade do Porto, professor.
Mónica Bettencourt-Dias, Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), investigadora
António Bica, Medinfar, COO
Pedro Bizarro, Feedzai, Co-fundador and Chief Science Officer
Filipe de Botton, Logoplaste, presidente
António Câmara, Universidade Nova de Lisboa, professor, CENSE, investigador, YDreams, fundador.
Cláudia Cavadas, Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNC-UC) e Faculdade de Farmácia Universidade de Coimbra, investigadora e professora
José Luís Cardoso, Instituto de Ciências Sociais (ICS), Universidade de Lisboa, investigador
Marina Costa Lobo, Instituto de Ciências Sociais (ICS), Universidade de Lisboa, investigadora
António Costa Pinto, Instituto de Ciências Sociais (ICS), Universidade de Lisboa, investigador
Ana Paula Duarte, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade da Beira Interior, professora
Paulo Ferreira, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, professor
Mário Figueiredo, Instituto Superior Técnico – UL, professor
Mara G. Freire, Universidade de Aveiro, investigadora
Ana Teresa Freitas, Instituto Superior Técnico – UL, professora
Helena Freitas, CFE – centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra eTerra – Laboratório de Sustentabilidade do Uso da Terra e Serviços de Ecossistema, professora e coordenadora
Mariana Gomes de Pinho, ITQB-Universidade Nova de Lisboa, professora
Joana Gonçalves Sá, Laboratório de Instrumentação e Partículas (LIP), investigadora
Isabel Horta Correia, Catolica Lisbon SBE, Universidade Católica Portuguesa, professora
Paula Marques Alves, Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica (IBET), directora executiva, Tecnologia Química e Biológica António (ITQB) da Universidade Nova de Lisboa, investigadora
Maria M. Mota, Instituto de Medicina Molecular (iMM), diretora executiva
Maria do Carmo Neves, Grupo Tecnimed, presidente do conselho de administração
Arlindo Oliveira, Instituto Superior Técnico -UL e INESC, professor
Luís Oliveira e Silva, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, professor
Susana Peralta, Nova School of Business and Economics, professora
Luís Pereira de Almeida, Centro de Inovação em Biomedicina e Biotecnologia e do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, coordenador
Jose Pereira-Leal, Ophiomics, CEO
João Ramalho-Santos, Departamento de Ciências da Vida e Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNC-UC), investigador e vice-reitor para a investigação
Isabel Rocha, Universidade Nova de Lisboa, vice-reitora para Ciência e Inovação
João Rocha, Universidade de Aveiro, professor
Cláudio M. Soares, Universidade Nova de Lisboa, professor e pró-reitor para a Saúde
Manuel Sobrinho Simões, Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP), director
Germano de Sousa, Centro de Medicina laboratorial Germano de Sousa, CEO
João Carlos Sousa, Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS), Escola Medicina, Universidade do Minho, professor
Claudio Sunkel, Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), Universidade do Porto, investigador
Jorge Vala, Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, investigador emérito
Henrique Veiga Fernandes, Fundação Champalimaud, investigador
Paula Videira, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, professora, co-fundadora de CellmAbs